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Sérgio Bandeira do Nascimento
Marina de Sousa Costa
José Ribamar Lira de Oliveira
(Org.)

Educação na Amazônia em repertório de saberes: o sistema de organização modular de ensino: volume II

No dia 22 de agosto de 2022, recebi um contato virtual emitido via whatsapp pelo estimado Sérgio Bandeira do Nascimento. Trata-se de um orientando de pós-graduação que acompanhei sua via-crúcis para ingressar no Curso de Mestrado; trilhei com ele – em minha condição de líder de grupo de pesquisa – alguns caminhos visando seu amadurecimento na pesquisa histórico-educativa; depois me tornei orientador de sua tese de doutorado; segui sua abnegação pretendendo uma vaga em concursos públicos até se tornar Servidor Público Federal na Universidade Federal do Pará (Campus de Abaetetuba). Ou seja, um amigo, pesquisador, intelectual, cuja atuação na docência teve um longo percurso de sua biografia vinculado ao Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME.
Meio encabulado, ele narrava na mensagem que estava com um projeto de publicação de um livro versando sobre o Sistema de Organização Modular de Ensino, mas se deparava com dificuldade para conseguir alguém que pudesse formular a apresentação da referida obra, pois dispunha de um tempo curto para essa empreitada.
De pronto resolvi aceitar, uma vez que me encontrava com tempo disponível para cumprir com essa tarefa. Além disso, senti-me honrado com o convite, uma vez que cursei parte de meu ensino de 2º grau, à época (1987-1989), tendo frequentado a Habilitação Magistério ofertada por meio da política pública educacional que se efetivava no Estado do Pará por meio do SOME.
Ressalto, também, minha satisfação em poder ser agraciado com a oportunidade de acessar e ler a obra em seu nascedouro, tendo o privilégio de conhecer os diferentes objetos de estudos, problemas de pesquisa, objetivos, caminhos metodológicos percorridos, períodos e fontes históricas examinadas pelos autores e coautores dos escritos que sedimentam os conteúdos dos 10 capítulos que se distribuem nas duas partes em que se segmentam as temáticas abordadas no livro.
De início, verificando-se o quantitativo dos 15 docentes autores e coautores dos textos integrantes do livro, percebi que os homens constituem a maioria, totalizando 9 representantes (60%), enquanto as mulheres somaram 6 ocorrências (40%). Dentre os 10 capítulos existentes, 3 foram construídos adotando as parcerias sob a forma de coautorias (30%) que reuniram ambos os sexos, e 7 como autoria isolada (70%).
Reputo ser igualmente relevante comentar o perfil biográfico dos autores desses escritos, uma vez que, embora tenham em comum a docência, esta é exercida em níveis, modalidades, espaços e temporalidade histórica distintos. São profissionais que obtiveram formação graduada em cursos de áreas diversas, seja o bacharelado ou a licenciatura, com participação em cursos de especialização, mestrado, doutorado e até estágio pós-doutoral. São, portanto, sujeitos envolvidos com o magistério, a gestão em instituições escolares, a participação em grupos de pesquisas, o desenvolvimento de estudos e a produção de conhecimento. Muitos, dentre eles, dedicaram um interstício de suas vidas para atuar junto ao Sistema de Organização Modular de Ensino, de modo a tornar efetiva essa política educacional concebida no final dos anos de 1970, mas que passou a ser implementada no sistema estadual do Pará, a partir dos anos de 1980.
Na denominada Parte I, encontram-se esculpidos significativos registros das Memórias, vivências e escritas: escrevivências, momento em que são narradas reminiscências sobre a arte de ensinar no SOME, os dispositivos que engendram sua proposta pedagógica, a formação docente proporcionada por esse Sistema e as trajetórias de vida para se transmutar professores.
O texto de escrito por Raimunda Benedita Cristina Caldas, versou sobre as Reflexões acerca de experiências com a arte de ensinar arte – vivências no sistema modular de ensino. Preocupou-se em discorrer sobre o “ensino da disciplina Educação Artística quando ministrada por professores de português ampliando amostras de discussões sobre interdisciplinaridade e transdisciplinaridade no Sistema Modular”.
Carlos Alberto Trindade Prestes, é autor do texto “A proposta pedagógica do some e a importância dos registros de memórias”. Sua investigação visou “analisar a relação entre cultura e educação no contexto das narrativas de memórias, registradas pelo corpo docente do SOME durante atividades de classe e extraclasse nas comunidades onde atuam”, mas também se direcionou para “apontar elementos da herança cultural nas relações docentes e identificar categorias na relação proposta pedagógica/registros de memórias”.
O trabalho construído em coautoria por João Figueiredo Góes e Sonia Suely Bernal de Lima, abordou “O some em Afúa: narrativas de vidas, educação e formação docente na cidade das águas”, tendo como finalidade o desenvolvimento de discussões sobre “educação, histórias de vida e formação docentes” que se entrecruzaram com o “processo formativo na Habilitação de Magistério pelo SOME na cidade de Afuá”.
“Ser ou não ser professora: trajetórias de vida e constituição docente no SOME do 1º Grau em Aveiro/PA”, corresponde ao título do texto elaborado por Karla Dourado Pachiano. A pesquisadora objetivou com esse trabalho “descrever e refletir sobre trajetórias de vidas docentes em atravessamentos com a minha própria história de vida e de docência pelo SOME”.
Extrai-se desse conjunto de textos as marcas institucionais, sociais, políticas, econômicas, artísticas, culturais e educacionais, fatos históricos que se projetaram sobre os diferentes espaços e povoam as mentalidades e modos de vida dos sujeitos afetados com a presença do Sistema de Organização Modular de Ensino.
Quanto à Parte II do livro, seu cerne incide nas “Transposições de fronteiras: o SOME em interseções entre a educação básica e as pesquisas acadêmicas”. A temática flui pelo viés memorialístico proporcionado com as narrativas autobiográficas, cujos eixos envolvem a vida e a formação de professor; os processos avaliativos adotados; os conflitos público-privado na oferta do ensino médio no campo; as inovações educativas impulsionadas pelo SOME; a carreira e remuneração dos professores e as políticas institucionais visando a interiorização do ensino nos diferentes níveis, na Amazônia.
Os coautores Viviane Silva Pereira, Carlos Jorge Paixão, Celso Mauler e Ricardo Augusto Gomes Pereira, no capítulo denominado “Estradas por onde andei: notas autobiográficas em narrativas de vida e de formação de uma professora no Sistema de Organização Modular de Ensino em Bragança-PA”, objetivaram “promover reflexões, enveredar por outros caminhos fomentadores de discussões acerca de como as experiências vivenciadas no Sistema Modular de Ensino se traduziram e foram sendo assimiladas aos percursos formativos da professora em questão”.
A produção de Arodinei Gaia de Sousa, por sua vez, foi direcionada para “A avaliação no Sistema Modular de Ensino no interior do município de Cametá: desafios diante da realidade escolar”. Como cerne de suas preocupações, visou “mostrar o Ensino Médio Modular no município de Cametá e as formas de avaliar utilizadas com alunos e alunas de áreas ribeirinhas e as adaptações de avalição de aprendizagem que surgem por conta da estrutura carente que se vive nas escolas do interior”.
Benedito Junior dos Prazeres Silva, voltou sua atenção para o estudo do “Ensino médio no campo como espaço de disputa entre o público e as parcerias público-privado: uma analise inicial sobre o SOME e o SEI”. Definiu como propósito do estudo “analisar como tem se materializado a disputa de interesse entre o público e o público-privado no ensino médio no campo”.
A pesquisa realizada por Eulália Soares Vieira, deteve-se no estudo sobre “A formação de professores na Amazônia no contexto do Sistema de Organização Modular de Ensino (some) e a inovação educativa: as vozes dos egressos do curso do magistério”. Em suas reflexões, empenhou-se por “compreender o curso de Magistério do SOME não apenas como uma oportunidade aos estudantes do interior da Amazônia de concluírem o ensino de 2º grau, hoje ensino médio, mas como uma experiência formativa diferenciada” tanto no que se refere à “organização curricular (o ensino era desenvolvido por meio de blocos de disciplinas, os ditos módulos)” quanto aos processos inovadores adotados nas “práticas educativas dos seus professores (todos com formação superior)”.
A seção da qual consta o texto de autoria de José Mateus Rocha da Costa Ferreira, versa sobre os “Professores que atuam no Sistema de Organização Modular de Ensino: carreira e remuneração, em foco”. O texto contém análises sobre “a carreira e remuneração dos professores do SOME, do ensino médio no Pará, na perspectiva de verificar como vem se processando, historicamente, a Carreira e a Remuneração destes professores”.
O texto escrito por Sérgio Bandeira do Nascimento, José Ribamar Lira de Oliveira e Marina de Sousa Costa, recebeu o título de “A FEP e o SOME: entre as experiencias de interiorização do ensino secundário e o ensino superior na Amazônia paraense (1980-1990)”. Seus coautores discorreram sobre “a configuração política-administrativa no âmbito da educação paraense, passando pela criação do então “Projeto Some” em 1980”. Em seguida, ressaltaram “a transposição e os atravessamentos da experiência da interiorização do ensino secundário pela FEP para as suas incursões na interiorização do Ensino Superior”. Posteriormente, destacam as “considerações finais” do estudo.
Nota-se que, os textos constitutivos da obra, evidenciam diferentes prismas em torno dos quais foram concebidas as narrativas históricas de seus autores, como também, os múltiplos objetos construídos para o desenvolvimento das pesquisas empreendidas, a variedade das fontes históricas examinadas, assim como o tempo histórico adotado para análise do assunto abordado.
São diversas as constatações que sobressaíram a partir das análises formuladas pelos autores desses escritos, mas muito ainda há para ser problematizado e investigado, uma vez que o Sistema de Organização Modular de Ensino permanece como política pública estratégica, mediante a qual os governadores do Estado do Pará tentam atenuar as dificuldades para assegurar à população urbana e rural, na faixa etária adequada ou fora dela, em quantidade e qualidade, o direito à educação básica no nível do Ensino Médio.
No momento contemporâneo, a existência do Sistema de Organização Modular de Ensino se converte em desafio para sua manutenção, principalmente em face do enfraquecimento de seus agentes institucionais, mediante cortes orçamentários, desestímulos à carreira docente e o avanço e fortalecimento do chamado terceiro setor na prestação dos serviços educacionais, sob a alcunha das parcerias público-privadas.
A História não acabou! Professores, alunos, servidores técnico-administrativos e gestores públicos estaduais e municipais tiveram suas intervenções evidenciadas em vários fatos históricos, a partir dos capítulos que compõem a presente obra, tanto no que concerne aos obstáculos superados, quanto em relação aos esforços empreendidos para edificação do SOME enquanto política pública educacional, visando a expansão do acesso e formação profissional via escolarização.
Novas gerações de estudantes carecem da efetivação de seu direito à educação básica. Portanto, a permanência do Sistema de Organização Modular de Ensino enquanto modalidade de oferta do Ensino Médio, na estrutura do sistema estadual de educação do Pará, faz revigorar o interesse pela sua manutenção, avaliação e aprimoramento, posto que sua pertinência histórica está mais do que demonstrada e documentada, seja no âmbito da Administração Pública, ou à luz das narrativas que reverberam a partir das vozes dos pesquisadores, professores, alunos, egressos, gestores e a sociedade civil, os quais, de alguma forma, sofreram os efeitos dos processos didático-pedagógicos praticados em cada município ou localidade por onde se fixou essa política oficial.


Paulo Sérgio de Almeida Corrêa

 

Professor Titular. Faculdade de Educação. Instituto de Ciências da Educação. Universidade Federal do Pará. Licenciado em Pedagogia. Bacharel e Especialista em Direito. Doutor em Educação (Currículo).
Belém, Pará, 2 de setembro de 2022.

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