
Marcia Severina Vasques
Pedro Hugo Canto Núñez
Idade Média desfragmentada: materiais didáticos para um ensino de história medieval decolonial
Já é antiga a discussão sobre o quanto a Idade Média pode ser eurocêntrica e como manter essa perspectiva representa um retrocesso frente ao desenvolvimento teórico e metodológico observado desde a Virada Cultural na década de 1980, especialmente após a publicação de Orientalismo, de Edward Said, em 1978, e de Pode um subalterno falar?, de Gayatri Chakravorty Spivak, em 1985. Acreditamos que tanto a imagem da capa quanto o título já sintetizam nosso objetivo: apresentar uma forma decolonial de abordar a Idade Média no Brasil.
Consideramos aqui como “Idade Média” o período histórico eurocentrado, estabelecido aproximadamente entre os séculos V e XV. O “tempo” é uma ferramenta do historiador, de modo que a periodização é apenas um dos mecanismos para escrever a História. A narrativa tradicional diz que o fim da Antiguidade é marcado pela Queda de Roma, em 476, e o início da Modernidade pela Queda de Constantinopla, em 1453. Nesse intervalo, temos pessoas, e estas, muitas vezes, viviam independentemente de acontecimentos políticos que ocorriam longe de onde residiam. Além disso, como nos lembra Jacques Le Goff (2015), algumas práticas da “Longa Idade Média Ocidental” podem ser encontradas até o século XVIII.
O “longe” indica outra categoria do nosso trabalho: o “espaço”. Esse espaço pode ser físico, mítico, literário, natural... O importante é que haja uma delimitação para que possamos entender como diferentes locais interpretam e subvertem essas perspectivas temporais “superiores”. Por exemplo, o europeu da Península Ibérica no século XV não estava preocupado diretamente com a queda de Constantinopla, mas sim em utilizar o conhecimento que os árabes haviam construído para iniciar navegações em busca de novas rotas comerciais, já que o Mediterrâneo era dominado por italianos e árabes. Da mesma forma, os chineses na Rota da Seda continuaram suas trocas de mercadorias com os ocidentais após a queda de Roma.
O que propomos neste Material Didático é seguir algumas pesquisas atuais desenvolvidas no Brasil sobre a Idade Média: demonstrar que esse “mundo medieval” não é apenas francês ou italiano. E, mesmo que seja, não centralizar o ensino apenas em um aspecto político masculino e limitante. Neste Material Didático, apresentaremos várias formas de trabalhar o período medieval em diferentes espacialidades e com distintos tipos de fontes. Cada um dos quatro capítulos possui a mesma estrutura: primeiro, uma contextualização sobre o tema; em seguida, a fonte analisada com linguagem adaptada para a série/ano proposto; depois, uma síntese seguida de um quadro de curiosidades sobre a fonte ou o espaço estudado. Por fim, sugerimos um plano de aula, bibliografia básica e outras ideias de fontes do espaço específico. Dessa forma, queremos que o profissional de História, em sala de aula, utilize fontes diversas, espaços distintos e conceitos atualizados que, muitas vezes, são apenas “assuntos secundários” nos livros didáticos analisados para a elaboração deste material.
