Ipojucan Dias Campos
Fernando Arthur de Freiras Neves (Org.)
Amazônias sagradas: historiografias e religiosidades no Norte do Brasil
Propositadamente queremos começar esta apresentação com um dado truísmo, qual seja: o saber histórico a versar sobre as religiões e as religiosidades nas Amazônias Brasileiras é eivado de relações estéticas ligadas à diversidade. Dito isto, urge entrarmos em escalas interpretativas mais complexas. Os diversificados elementos de sentido a compor os campos das religiões e das religiosidades “sempre” estiveram presentes nas estruturas da autocompreensão humana, nas suas interpretações oferecidas aos sentidos das coisas, aos significados de mundo que cada qual apresenta a si e aos demais, às orientações intencionais ou não oferecidas à vida cotidiana, em suma, estamos a afirmar que tais acentuados deslocamentos fizeram-ajudaram enriquecer a lógica do quanto no bojo das pesquisas concernentes às religiões e às religiosidades existem sólidas potencialidades reflexivas que evitaram as margens interpretativas, porque, estão no seio das experiências de vidas de sujeitos construtores de inumeráveis circunstâncias.
À vista disso, os vários autores contribuintes desta coletânea com suas temáticas diferentes e com seus estudos localizados em tempos e espaços sobejamente múltiplos agregaram um ponto convergente que fez unir temáticas, tempos e espaços distintos numa unidade interpretativa: as relações dos sujeitos consigo mesmos e com os mundos a lhes circundar, logo, na sua circunscrição. Em conformidade com isso, os estudos ora apresentados por Historiadores, por Antropólogos, por Cientistas da Religião, por Sociólogos tiveram como pauta evidenciar o como e o quanto os homens (aqui não nos referimos ao gênero) desempenharam papéis decisivos na gestão das suas vidas práticas, ou melhor, os(as) autores(as) desta coletânea deram elegibilidade, bem como colocaram no patamar do inteligível – para o presente – dados discursos históricos construídos em determinados passados, os quais operaram como códigos político-religiosos em sociedades sortidamente díspares.
Não obstante, o conjunto reflexivo aqui apresentado é detentor de potencial capaz de alcançar e, por conseguinte, de explicar à coletividade onde e como se assentavam inúmeros comportamentos dessemelhantes das forças a compor dadas estruturas imaginativas formadoras das religiões e das religiosidades presentes nas Amazônias Brasileiras. Por meio de outras palavras, as estruturas das linguagens religiosas aqui presentes não foram estudadas como meios a se relacionar “apenas” consigo mesmas, elas foram descortinadas como inquietações mais amplas, pois. Os autores as localizaram em meio a diálogos múltiplos, em síntese, outros mundos – externos aos dos estudos empíricos – inevitavelmente dialogaram com aqueles interpretados na particularidade de cada qual. Mas, reafirme-se, os mundos religiosos ora descritos e interpretados estiveram profundamente determinados pelas contingências quer as do tempo, quer as do espaço as quais estiveram inseridos, isto é, os estudos religiosos a compor este livro foram vinculados às atitudes dos homens no sentido das suas experiências em face ao tempo.
Por estas esteiras, as articulações a cingir os sentidos e os significados dos eixos a envolver as religiões e as religiosidades estão para além de inquietações dos objetos em si mesmos. Assim, justamente, os autores colocaram como pautas reflexivas a dimensão de que as circulações entre sentidos e significados estiveram recorrentemente ligadas aos interesses do tempo e do lugar forjados pelos agentes analisados, então, preocupações analíticas estiveram vinculadas às maneiras de pensar de como o ser humano dava significado à própria vida, determinava razões à vida em paralelo com os sentidos afetivos. De tal modo, os Historiadores, os Antropólogos, os Cientistas da Religião, os Sociólogos que aqui apresentaram as suas reflexões buscaram deixar claro em quais aspectos acharam-se localizadas as memórias históricas religiosas, o saber histórico religioso dos agentes sociorreligiosos que cada um se propôs a descortinar. Isto posto, cada qual, ao seu modo, apresentou publicamente como e quanto o passado exerce diversificados pesos determinantes sobre o presente, destarte, concernentes as consciências históricas dos sujeitos constituidores das religiões e das religiosidades, cada autor teve como finalidade, pois, explicá-las como, do lastro do passado, tornou-se palpável compreender intrigas e tensões contidas no presente.
De mais a mais, outra vez faz-se inevitável expressar que os homens constituidores das religiões e das religiosidades aqui dadas a entender deram, ao longo do tempo e do espaço, entendimentos diversos à crença e/ou ao que por eles era denominado como tal. Assim sendo, por este alinhamento, os descortinamentos religiosos desenvolvidos pelos agentes sociais não podem ser compreendidos por meio de escalas meramente subsumidas a estruturas formadoras de regras e de princípios absolutamente rígidos, por um lado; por outro, as religiões e as religiosidades nas suas crenças jamais podem ser dadas a ler como deslocamentos humanos apeados – na sua totalidade – de regras e de princípios norteadores das suas execuções. Se o leitor entender que deve por bem seguir as formas dessas reflexões, também não poderá se esquivar da seguinte lógica: as religiões e as religiosidades apenas tiveram condições históricas de se constituírem por si mesmas, porque estiveram face a face e, por conseguinte, dispostas a acompanhar o próprio deslocamento como paradigma da sobrevivência e, dessa forma, tiveram o pleno entendimento de que a vida faz-se no seio das leis dialéticas, ou seja, viram que um requisito à existência se localizava na mutação do que se entendia como sentido sociorreligioso, por exemplo.
Por tais parâmetros, ser por si mesmas (as religiões e as religiosidades), jamais ficou distante da necessidade da transformação (da mudança, do deslocamento) do que se é. À vista disso, ao passo em que esses estudos foram pensados por meio da flexibilidade já sinalizada, fica mais objetivo, crê-se, entendê-los nas suas categorias-chave e nos seus símbolos constituintes de significados. Ao se considerar estas explicações para intervenções tão diferentes, não se deve deixar às margens o seguinte entendimento teórico: o que as religiões e as religiosidades eram, vinculavam-se à capacidade de elas (ou melhor, dos seus constituidores) realizarem o princípio “elementar” do reordenamento de sentidos inseridos na vida alheia e na própria, todavia.
Ao fim e ao cabo, em virtude dos obrigatórios deslocamentos, dos compulsórios reordenamentos e das inevitáveis recomposições do ser no tempo e no espaço, seria um erro analítico grosseiro querer determinar modelos às acepções a circundar as religiões e as religiosidades nas Amazônias Brasileiras. Em conformidade com isso, os saberes histórico-religiosos fabricados nos sortidos lugares e espaços aqui tratados são resultados de marchas humanas a cingir interesses diversificados para muito além das amiudadas camadas religiosas, aliás, enfatize-se, os espectros religiosos são indissociáveis dos da competência política, dos da competência cultural, dos da competência social dos “inventores” dos significados religiosos. No entanto, por último, o que os apresentadores deste livro querem expressar de maneira mais explícita ancora-se no seguinte entendimento: por mais sedutor que possa ser a retórica sistemática das religiões e das religiosidades, os diversos autores procuraram se distanciar tanto quanto puderam deste verdadeiro canto da sereia, ou seja, desse positivismo, porquanto um entendimento geral grassa na presente coletânea, qual seja: as teorias das histórias das religiões e das religiosidades não derivam de prescrições contidas em algum lugar, em síntese, não se tratam de livros de receitas.
É necessário, então, pois, que os leitores desta publicação descortinem as reflexões a seguir na faculdade de princípios, na qualidade de pontos de vista a chancelar visões maleáveis a cingir efeitos sociorreligiosos, socioculturais, sociopolíticos de mundos, de tempos, de espaços que não suportam a certeza e a uniformidade interpretativas. As ações dos homens, as das mulheres, as das crianças aqui analisadas não disponibilizaram quaisquer salvos-condutos a uno entendimento no tocante às suas compreensões relativas às religiões e às religiosidades em que estão-estavam entrepostos, logo, a regulação metódica nem sequer margeou os estudos em pauta. Sem embargo, tudo isso nos remete a diversificados pontos de convergência, dentre os quais podemos destacar: as reflexões em exame trata-se de elos inevitavelmente diretos a envolver a cientificidade dos estudos das religiões e das religiosidades e as especificidades das formas de pensamento do Historiador, as do Antropólogo, as do Sociólogo e as do Cientista da Religião.
Com efeito, propositadamente, os artigos da coletânea foram organizados de maneira “cronológica”, pois os organizadores compreenderam tal ação como inevitável para que se pudesse oferecer maior unidade ao livro; todavia, os autores das conferências nos deram a honra de abri-la.
Portanto, o professor Donizete Rodrigues inicia a nossa saga interpretativa por meio da reflexão intitulada “Pentecostalismo indígena na Amazônia: o encontro do pastor com o pajé – conflito ou adaptação?” A partir de intensos trabalhos etnográficos (na lógica de Clifford Geertz), realizados no Estado do Pará, o objetivo do capítulo foi o de abordar alguns aspectos da cristianização da Amazônia, a partir do catolicismo, e principalmente da presença do pentecostalismo no contexto indígena. Por assim dizer, o autor entendeu que no processo de conversão dos povos originários, os dois modelos de mediação culturais utilizados pelas igrejas evangélicas são a inculturação (diálogo, respeito e aceitação, por parte dos missionários, das tradições culturais e religiosas nativas) e a transculturação (negação/desestruturação da cosmologia nativa e imposição da narrativa e ritualidade evangélicas). Também anotou que na Amazônia, uma parte significativa do pentecostalismo dialoga diretamente com as culturas indígenas locais, possuidoras de milenárias crenças animistas-xamânicas e com as (sincréticas) práticas da pajelança, assentes em expressões linguísticas, na magia, no transe, na êxtase, na cura e na profecia. Neste contexto, Rodrigues consignou entendimento de que o motivo facilitador da conversão evangélica dos indígenas é o batismo no/do Espírito Santo, experiências de transe e êxtase religiosos que apresentam fortes semelhanças com o xamanismo e a pajelança. No entanto, é importante realçar que, mesmo após a conversão evangélica, as populações indígenas não perdem as suas crenças e práticas culturais e religiosas ancestrais. Nesta nova realidade religiosa, num complexo processo de bricolagem (no sentido dado por Lévi-Strauss), os indígenas, a partir da sua cosmologia, do xamanismo, do sistema simbólico, das narrativas míticas e expressões do sagrado, assimilam, reinterpretam, reinventam e ressignificam o pentecostalismo, criando, desta forma, novas expressões do sagrado, novos rituais, experiências religiosas e espirituais, que denominou de pentecostalismo indígena.
Por seu turno, Saulo de Tarso Cerqueira Baptista proferiu conferência de encerramento sob o título “O campo religioso paraense na encruzilhada” e nela afirmou que a população brasileira está numa encruzilhada de caminhos amplos e estreitos. Para o autor, as religiões nos fazem viajar nos infernos e paraísos, passando pelos purgatórios e outros espaços, com nomes os mais criativos e inimagináveis. Baseado em observações e pesquisas de mestrandos que vem a orientar, para o intelectual, as diferentes crenças estão ameaçadas por tipos de encantamento artificial, elaborados para criar necessidades e atender interesses, como as celebrações mágicas que visam arrecadar doações para ampliar o patrimônio da denominação religiosa e de seus líderes. Comunidades de fé se tornaram campos de atuação política, onde é possível fazer carreira eleitoral, através da utilização de suas estruturas, celebrações, espaços de doutrinação, ritos e rituais. Desse modo, o pesquisador afirma que está ocorrendo, principalmente nas denominações do movimento pentecostal e neopentecostal, o que, sociologicamente, denominou de uma eficaz e efetiva transferência de capital religioso para a esfera política.
As reflexões de Juliane de Miranda Souza intituladas “Entre vivências, ressignificações simbólicas e esquecimentos: as “bruxas” negras na Amazônia colonial durante a visita inquisitorial ao Grão-Pará (1763-1769)” abrem as reflexões apresentadas nos Grupos Trabalhos. Conforme entendimento da autora, as reformas realizadas no século XVIII por Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido como Marquês de Pombal, influenciaram a política, a economia e a sociedade do Grão-Pará, pois tudo se relacionava às reformas incentivadas para manter o território e expandir a economia; por este motivo criou-se a Companhia Geral de Comércio do Grão Pará e Maranhão, instituição promovida para regularizar e sistematizar o tráfico negreiro africano nestas paragens. Nesse ínterim, houve um processo de enegrecimento da região criando uma sociedade multifacetada etnicamente e possibilitando a criação de maiores relacionamentos entre negros, indígenas e brancos em busca da resolução de problemáticas do cotidiano. Segundo Miranda Souza, essas soluções usavam de práticas consideradas heréticas pela Igreja Católica e, por esta razão, foram perseguidas durante a visitação do Santo Ofício da Inquisição, órgão usado para normatizar a fé e criminalizar práticas consideradas heterodoxas. Com efeito, este capítulo buscou visibilizar os invisíveis que estavam localizados em um microcosmo permeado por perigos e procuras por magias de proteção e por curas. Assim, a pesquisadora buscou a todo o momento ampliar o enfoque na historiografia da Inquisição no Grão-Pará como forma fundamental para reconhecer e visibilizar as experiências das mulheres “racializadas” que habitavam o espaço urbano e eram rotuladas pela sociedade como feiticeiras.
“Making a Traveler”: notas preliminares sobre os escritos de Daniel Parish Kidder (1838-1845)” é o artigo apresentado pelos historiadores Daniel da Silva Miranda e Fernando Arthur de Freitas Neves. O estudo oferece ao público uma análise dos escritos públicos e das correspondências privadas produzidas por Daniel Parish Kidder, tendo por tema a viagem desse missionário metodista ao Brasil do século XIX, ocorrida entre os anos de 1838 e 1840. Os autores se referem como escritos de caráter público àqueles que foram publicados pelo autor entre os anos de 1841 e 1844, no jornal estadunidense “The Ladies’ repository” e que, posteriormente, foram reunidos, ampliados e publicados em 1845, nos dois volumes de “Sketches of residence and travels in Brazil” como uma obra que reuniu as reminiscências de sua viagem ao Império brasileiro. Os autores assinalam que os textos de caráter privado, traduzem-se em algumas das informações coligidas em correspondências enviadas pelo religioso a membros da Igreja Metodista nos Estados Unidos, no ano de 1838, enquanto Kidder ainda estava no Brasil. Por meio dessas fontes, os estudiosos entenderam que o processo da viagem de Kidder encontrou-se inserido em um projeto de ampliação da presença metodista no globo, o que necessitou da feitura de profissionais habilitados a ver e a observar caminhos para garantir tal intento, sobre isto, nomearam de invenção, a fabricação de um ser viajante.
Leonardo Ryon Alves dos Santos enriquece nosso livro com o artigo sob o título “No Amazonas não há catechese”: a decadência da missionarização indígena amazonense (1852-1889)”. O autor trouxe mais um estudo a versar sobre o então Bispo do Pará, Dom Antônio de Macedo Costa, que num ofício de 1866, expressou seu pesar ao Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Antônio Francisco de Paula Sousa, sobre o lamentável estado da catequese indígena no Amazonas. Em suas palavras, disse Dom Macedo: “No Amazonas não há catequese... Cumpre reconhecer uma verdade amarga, mas necessária: o pouco que existe neste elevadíssimo assunto é obra de outros tempos”. Para o autor, esta questão preocupava tanto as autoridades civis quanto as religiosas, pois não se deve deixar em segundo plano o entendimento da vastidão da região e a necessidade premente de integrar os indígenas à “civilização”. No entanto, a chamada “civilização” visava principalmente a obtenção de mão de obra para a economia local, já que a maior parte da população da Província era composta por indígenas que ainda habitavam remotas áreas florestais, sem contato com os colonizadores brancos ou religiosos.
Anderson Clayton Fonseca Tavares com o artigo intitulado “Protestantismo de missão na Amazônia: uma estratégia geopolítica antes que novas cristalizações cheguem (1860-1880)” destacou a atuação dos missionários protestantes norte-americanos na região amazônica do Brasil. Conforme o historiador, o protestantismo emergiu como uma força evangelizadora no País, impulsionado pela conexão direta com os interesses dos Estados Unidos na abertura do rio Amazonas à navegação, então, compartilhando deste objetivo, os missionários trouxeram consigo uma visão religiosa e moral dos EUA, vendo-se como portadores de uma missão divina para espalhar o progresso e a civilização pelo mundo. Essa visão, segundo Fonseca Tavares estava intimamente ligada à política imperialista dos Estados Unidos na época. Por assim dizer, o texto destacou a influência do protestantismo norte-americano como uma estratégia geopolítica na Amazônia, por conseguinte, nesta escala, os missionários se consideravam agentes de Deus encarregados de disseminar o progresso civilizatório, aproveitando-se de uma presumível conjuntura política e administrativa enfraquecida na região para estabelecer sua influência religiosa e potencialmente contribuir para a política imperialista dos Estados Unidos. Nestas condições, o autor afirma o quanto essa forma de ação se tornou parte integrante de um cenário já bastante complexo, mas que com a atividade expansionista norte-americana controvérsias e apreensões tanto em relação à religião quanto às intenções geopolíticas em vigor ficaram demasiado mais tensas.
As problematizações, as intrigas e as desinteligências a envolver as religiões e as religiosidades nas Amazônias Brasileiras foram enriquecidas pelas abordagens da historiadora Gisele Mendes Camarço Leite por meio das reflexões intituladas “O cônego Manuel José de Siqueira Mendes: percalços e controvérsias na Igreja paraense (1870-1880)”. O seu artigo aborda a vida do Cônego Manuel José de Siqueira Mendes que, além de religioso, foi um aguerrido político do período imperial, ocupando diversos cargos no decorrer de sua vida pública, inclusive o de presidente da Província. As intervenções de Camarço Leite tiveram como objetivo ressaltar e compreender a efervescente vida política de Siqueira Mendes que, incialmente ocupou as fileiras do Partido Liberal, passando a integrar o Partido Conservador pouco tempo depois, do qual foi chefe, então, para a intelectual interessou demonstrar que, num período de disputas políticas acirradas entre liberais e conservadores, o cônego ocupou um papel relevante, de intensa atividade político-partidária, angariando admiradores e inimigos, numa relação de amor e ódio com os políticos da época; desse modo, a pesquisadora de forma salutar manuseou as fontes para demonstrar o cenário das relações políticas percorrendo a rede de articulações abrangendo a esfera nacional, provincial e local na ocupação de cargos políticos por religiosos, que se imbuíam na luta partidária e nas disputas políticas, num momento em que a Igreja Católica buscava sua autonomia perante o Estado, o que acabou acarretando o conflito denominado “Questão Religiosa”.
O texto seguinte, sob o título “República, religiosidades e casamento civil (Belém-PA, 1890-1900)” é de autoria do professor Ipojucan Dias Campos. Nas suas considerações, o historiador teve como preocupação central apresentar que o divórcio e o casamento civil tiveram defensores com lastros religiosos, por exemplo, o pastor metodista Justus Nelson, mas também instituições como a República que não esteve distante dos debates e das teses particulares a cada conveniência religiosa. Com efeito, o historiador deixou evidente o quanto casar-se e divorciar-se estiveram ligados às esteiras das religiões e das religiosidades, ou seja, sortidas ligações sociorreligiosas foram estabelecidas por Justus Nelson, pelos editores do periódico “A República” e pela Igreja Católica no tocante aos assuntos em pauta.
Luís Rodolfo da Silva Moura propôs as intervenções intituladas “Pentecostalismo da mata e suas interlocuções com o imaginário religioso amazônico”. As preocupações de Silva Moura estiveram ancoradas na apresentação do campo de estudo das expressões religiosas pentecostais ligadas às vigílias da mata, logo, o autor deu ênfase aos entrelaços religiosos que esse pentecostalismo ricamente poroso apresenta com outras expressões do rico repertório das religiosidades amazônicas, que nos faz refletir sobre algumas heranças ancestrais como a da pajelança indígena, a da religiosidade afro-brasileira, a do catolicismo popular, o do mundo das encantarias. Em vista disso, o intelectual inseriu o seu estudo nas entranhas do imaginário, nas da cultura e nas da memória de grupos de oração, sendo assim, buscou em tom provocativo, contribuir na ampliação do horizonte de pesquisa do campo pentecostal a partir do momento em que passou a dialogar com a riqueza híbrida que culturalmente o movimento é detentor, o que faz dessa expressão religiosa um fértil campo de pesquisa.
O artigo “Rio caraparu: um “encante” ... um espaço sagrado de devoção à Nossa Senhora da Conceição” é e intervenção da Antropóloga Marileia da Silveira Nobre. À autora, o ambiente amazônico, os modos de vida do afro-indígena são marcados por práticas e por ritos do catolicismo popular que representam na cultura cabocla amazônica uma grande riqueza de mitos, de concepções, de crenças e de expressões religiosas no que diz respeito à diversidade cultural das populações amazônicas. Nesse sentido, a autora apresentou uma etnografia dos elementos simbólicos da religiosidade de famílias de agricultores de Caraparu, localizado no Nordeste da Amazônia paraense. Com efeito, buscou tornar compreensível que na preparação da festa do Círio a rotina diária dos moradores é, de certa forma, quebrada, na medida em que para além de um momento de fé, o evento é sinônimo de “agito” na orla do rio, onde os visitantes se aglomeram para o consumo de comidas e bebidas. Assim, o objetivo do artigo foi o de apresentar a religiosidade das famílias de agricultores de Caraparu, pois, a crença na existência de seres míticos está ligada à procissão do Círio fluvial em homenagem à padroeira.
Lediane Araujo Pires Demetrio e Cristieli Braga Lobo contribuíram com “Entre ondas e devoção: Iemanjá no Pará e suas conexões em tempos de Ditadura Civil-Militar”. Conforme as autoras, o artigo explorou a evolução do Festival de Iemanjá em Belém desde os anos 70 até o início dos anos 80, destacando a sua importância no calendário turístico da cidade. O festival, inicialmente realizado em Icoaraci e depois transferido para Outeiro, trouxe à tona conflitos entre diferentes vertentes religiosas afro-brasileiras, especialmente em relação às adaptações feitas pelos umbandistas nas homenagens à divindade africana. As historiadoras destacaram que a participação do tenente da Polícia Militar, Itacy Domingues, na organização do evento, revelou-se como aspecto surpreendente em meio ao contexto da Ditadura Militar, porquanto a sua presença sugeriu mudanças institucionais e uma crescente abertura para as religiões de matrizes africanas durante esse período autoritário. Desse modo, demonstraram o quanto a interseção entre política e religião também foi explorada, destacando como líderes religiosos afro-brasileiros estavam envolvidos no cenário político, ocupando cargos como os de deputados e os de senadores.
“A cobra-ondula e os plantadores de cruzes: religiosidades e “relações de força” no litoral Pará-Maranhão, desde a Colônia (Comunidade Buçu, Augusto Corrêa-PA, Amazônia)” são as reflexões apresentadas pelo historiador Danilo Gustavo Silveira Asp. No artigo elaborou inferências acerca de dada iconografia – a sigmoide, também conhecida como “cobra-ondula” – grafada em uma cerâmica indígena localizada por agricultores familiares em sua roça, associada à fragmentos ósseos humanos, na Comunidade Buçu, município de Augusto Corrêa-PA, situado na região bragantina, litoral Pará-Maranhão. Com efeito, o pesquisador deixou evidente que apesar de o foco original do estudo não ser o do campo da religiosidade, nele todavia se adentrou uma vez que a investigação sobre os artefatos desenterrados deliberou se tratar de objetos mortuários, portanto, relativos à enterramentos supostamente ritualísticos, sepultamento eivado por simbolismos e subjetividades incógnitas, todavia, pertinentes a dada religiosidade ameríndia, conectada por seu turno a cosmologias específicas.
O Grupo de Pesquisa “Religiões e Religiosidades na Panamazônia”, coordenado pelos historiadores Fernando Arthur de Freitas Neves (líder) e Ipojucan Dias Campos (vice-líder), organizou em setembro de 2023, na cidade de Belém-PA, Universidade Federal do Pará (UFPA), o “II Encontro Internacional de História das Religiões e das Religiosidades na Panamazônia”. A coletânea que tornamos, agora, viável à leitura pública é resultado das conferências e dos artigos apresentados neste evento acadêmico.
Os professores organizadores deste livro têm muito a agradecer a diversificados alunos, professores e funcionários da Universidade Federal do Pará (UFPA) e ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião (PPGCR) da Universidade do Estado do Pará (UEPA), pela insistente divulgação do nosso evento. Igualmente, agradecemos, na totalidade, aos membros do nosso Grupo de Pesquisa; à equipe de apoio, especialmente aos bolsistas de Iniciação Científica (PIBIC-UFPA) Antônio Carlos Jobim Cardoso Carneiro e Laweyze Jamily Cardo de Souza; ao professor Donizete Rodrigues do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA-Universidade Nova de Lisboa) e da Universidade do Estado do Pará (UEPA), que se disponibilizou a se deslocar de Portugal para Belém e proferir a nossa conferência de abertura; do mesmo modo, agradecemos sobejamente ao mestre Saulo de Tarso Cerqueira Baptista, amigo-docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião (PPGCR) da Universidade do Estado do Pará (UEPA), que se colocou à disposição às necessidades do Grupo de Pesquisa.
Faz-se também necessário lembrar dos coordenadores dos Grupos de Trabalho que em face ao convite, imediatamente, se demonstraram solidários à proposta acadêmica apresentada; então, somos gratos a Allan Azevedo Andrade (SEDUC-PA) que coordenou o GT “Católicos, protestante, pentecostais e neopentecostais na Amazônia”: muito satisfeito com o seu empenho; “Modos de vida no ambiente amazônico e as suas múltiplas e dinâmicas expressões religiosas”, Grupo de Trabalho coordenado pelos professores Manoel Ribeiro de Moares Júnior (PPGCR-UEPA), Ozian de Sousa Saraiva (doutorando no PPGSA-UFPA, docente da Fundação Carlos Gomes) e Leonardo Silveira Santos (doutorando no modelo sanduíche entre a Universidade de Québec-UQAM/PPGCR-UEPA): muito obrigado a vocês; “Religiões afro-diaspóricas: construções políticas e ressignificações simbólicas”, esteve sob a responsabilidade das professoras Taíssa Tavernard de Luca (UEPA), Anaíza Vergolino e Silva (docente aposentada da UFPA), Patrícia Moreira Perdigão dos Santos (SEDUC-PA) e Jucelio Pantoja (SEDUC-PA): não temos como externar os vínculos de solidariedade que vocês tributaram às nossas perspectivas acadêmicas.
Professores Ipojucan Dias Campos e
Fernando Arthur de Freiras Neves.
Belém, 20 de abril de 2024.