
Marcia Severina Vasques
Pedro Hugo Canto Núñez
(orgs.)
Egito Antigo na América Latina: a IV Conferência de Egiptologia Latinoamericana
A ideia de que a Egiptologia surgiu com a Pedra de Rosetta é
difundida em todo globo, seja em referência à expedição de Napoleão ao Egito no final do século XVIII e de sua descoberta ou dos processos de deciframento dos hieróglifos nos trabalhos de Jean-François
Champollion, Johan David Åkerblad e Thomas Young. No entanto, os
acontecimentos de 1798 a 1822 estão atrelados aos contextos europeus. Não podemos pensar que o nosso conhecimento sobre o Egito Antigo surgiu apenas com as primeiras traduções. Uma certa compreensão sobre essa sociedade já existia antes do período moderno, como é o caso das fontes clássicas (Nyord, 2025), ou do interesse por artefatos egípcios em coleções europeias (Trigger, 2004).
De certa forma, o que vemos na América Latina é um fenômeno específico que acompanha as dinâmicas do Sul Global, tanto explorado pelo Norte. Na Argentina, por exemplo, o acervo egiptológico deve muito a Abraham Rosenvasser, um judeu que nasceu no final do século XIX na província de Buenos Aires e está imerso em um contexto de imigrações judaicas no século XIX (Rosso; Daneri, 1999). Esse estudioso interessado no Oriente Antigo participou de diversas campanhas no Egito e conseguiu consolidar uma Egiptologia no seu país.
Um de seus feitos foi construir a sala egípcia do Museu de La Plata com as peças levadas por ele dos trabalhos de cooperação com os franceses nos finais da década de 1960, período de construção da barragem de Assuã (Salem; Cabrera, 2021, nota 102). Além de La Plata, em Buenos Aires, o Museu Etnográfico de Buenos Aires também foi acrescido de peças egípcias pelas parcerias de Rosenvasser (Fuscaldo, 1972; 1973; 1980).
A partir de Rosenvasser, vemos na Argentina uma base para o desenvolvimento da Egiptologia no país. O trabalho da professora Maria Violeta Pereyra, por exemplo, com seu projeto do complexo funerário de Neferhotep (TT49) desde 1999, levou parcerias para o país com o Museu Nacional no Rio de Janeiro, Brasil. Em outra perspectiva, a professora Andrea Zingarelli e as escavações da tumba de Amenmose (TT318) desde 2019, articulam a comunidade local para angariar os recursos das campanhas e retornar com projetos de ensino e extensão universitária.
Um dos resultados dessa Egiptologia argentina foi a Conferencia de Egiptología Latinoamericana, organizado pela professora Violeta Pereyra. O primeiro evento foi em 2014; o segundo, em 2016 e o terceiro, em 2018. O quarto evento deveria acontecer em 2020 em Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, organizado pela professora Marcia Vasques em conjunto com os membros do MAAT-UFRN, hoje formalizado como ANTIQVA, Grupo de Pesquisa de História Antiga da UFRN, com o objetivo de abranger cada vez mais as pesquisas desenvolvidas no Brasil.
Entretanto, a pandemia da COVID-19, a fragilidade da saúde do mundo pós-COVID e os problemas econômicos do período forçaram o adiamento e a reconsideração sobre a modalidade do evento. Desse modo, o IV CEL foi repensado para a execução remota em 2022, sediado na plataforma YouTube, no canal do MAAT-UFRN (https://www.youtube.com/@maatufrn). Essa mudança na estratégia foi frutífera pois, embora tenhamos suspendido o contato pessoal com os(as) colegas egiptólogos(as) da América Latina, resultou em 12 vídeos, que podem ser consultados a qualquer momento por alunos, professores e pelo público interessado na temática.
O evento foi bilíngue, com a maioria das apresentações proferida em língua portuguesa, o que evidencia um esforço na localização da organização do evento e, de certa forma, supre uma demanda brasileira. A origem da Egiptologia no país está relacionada com a vinda da família real e a instalação de D. Pedro I como imperador do Brasil em 1822. As coleções egípcias no país são parte de projetos desse período (Gralha, 2022) ou de famílias de colecionadores (Vasques, 2020). Por sua vez, as pesquisas sobre o Egito Antigo são mais presentes no eixo sul-sudeste, que concentra o poder econômico e político brasileiro, e estão atreladas aos departamentos de História e Arqueologia (Vasques; Canto Núñez, no prelo).
Pensando nessa necessidade brasileira, propomos que as palestras proferidas fossem publicadas em um livro e divulgado de forma gratuita. Essa é a primeira publicação do evento e, como esperamos, será uma forma de incentivar novas pesquisas por todo o Brasil. Desse modo, os 13 capítulos, oito em português e cinco em espanhol, são parte dessas contribuições dos egiptólogos latino-americanos para a Egiptologia do Sul Global.
