Daniel Rodrigues Tavares (Org.)
Brasis na UFSM: história, poder e cultura
As vivências relacionadas às disciplinas cursadas no Programa de Pós Graduação em História (PPGH) com área de concentração em História, Poder e Cultura, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio grande do Sul, possibilitaram a confecção desta obra. Os autores e autoras compartilharam leituras, diálogos, encontros; tornaram-se amigos. As relações de amizade construíram o caminho que nos levou a pensar e concretizar a escrita de um livro que pudesse divulgar os trabalhos, em desenvolvimento no PPGH-UFSM, e contribuir com a produção acadêmica dos discentes e do programa em si.
Os temas, objetos, espaços e abordagens historiográficas dos 13 (treze) artigos que compõem o livro são diversos. Essa multiplicidade influenciou a escolha do título “Brasis na UFSM: Pesquisas em História, Poder e Cultura”, o qual remete às investigações de mestrandos (as) e doutorandos (as) que desenvolvem suas pesquisas em lugares diferentes do Brasil e da outrora Província de São Pedro.
O professor Augusto Britto, que integra a linha de pesquisa “Memória e Patrimônio”, relacionando História e Biografia, apresenta o seu Estado da Arte, peça essencial na construção de um trabalho acadêmico. Divide a autoria do texto com a professora doutora Maria Medianeira Padoin. O doutorando e sua orientadora mostram a produção acadêmica feita sobre Alberto Pasqualini. Essa bibliografia, em essência, esclarece que as formulações teóricas de Pasqualini são anteriores ao surgimento do Partido Trabalhista Brasileiro, o que, portanto, não coaduna com a ideia de que o político, natural de Ivorá-RS teria sido o formulador teórico do Trabalhismo. É um artigo no qual o leitor poderá se apropriar sobre o que já foi escrito acerca do político gaúcho, assim como entrar em contato com a metodologia de um trabalho de pesquisa essencial para a formulação de textos acadêmicos - o Estado da Arte.
Osnar da Costa, que desenvolve um trabalho no campo da História Cultural, leva-nos a um passeio em direção ao interior da Bahia, à Casa Nova, um dos cinco municípios afetados pela construção da hidrelétrica de Sobradinho. O baiano Osnar, integrante da linha “Cultura, Migração e Trabalho”, conta-nos sobre a “Festa do Interior” da cidade, que sofreu com a atuação do poder público municipal e com a falta de resistência dos munícipes, no sentido de lutar pela manutenção das caraterísticas e identidade do festival. O doutorando atesta a ocorrência do processo de descontinuidade com a tradição, com o passado, causado por interesses políticos, econômicos, relacionados aos intentos da prefeitura do lugar. É um convite para conhecer um pedaço do sertão baiano e refletir sobre os impactos sociais e culturais advindos da modernização das cidades.
A pesquisa de Gabriel Silva conecta uma fonte literária com a produção historiográfica. O mestrando, da linha “Fronteira, Política e Sociedade”, analisa a obra O tempo e o vento, de Erico Verissimo. Vai apresentando como o romance mistura narrativa literária com narrativa histórica, sem fazer uma demarcação nítida entre ambas. Veríssimo usa o ambiente ficcional para contar a história do Rio Grande do Sul, em especial acerca do momento em que Getúlio Vargas esteve na presidência do Brasil, com ênfase à construção do Estado Novo. Gabriel Silva aponta que a personagem principal da obra, Rodrigo Cambará, muito se assemelha com Vargas. É um artigo que realiza uma profícua conexão entre História e Literatura, mostrando como é possível a partir do universo literário, interpretar o passado e produzir historiografia.
Daniel Tavares, da linha “Memória e Patrimônio”, apresenta o Patrimônio Cultural da Amazônia Mosqueirense, um distrito administrativo de Belém-PA. O doutorando traça um breve panorama acerca do conceito de Patrimônio no Brasil, identificando, em seu locus de pesquisa, quais bens culturais foram reconhecidos pelo Estado, traçando um paralelo com a ideia de que as pessoas podem e devem reconhecer como Patrimônio os bens que entendem com tal, sem necessariamente esperar que o poder constituído diga o que é ou não passível de patrimonialização.
Felipe Pereira, que faz parte da linha “Cultura, Migrações e Trabalho”, divide conosco suas preocupações em torno da docência em História: poucos investimentos, currículo nacional impositivo, ausência de um ensino ligado às vivências cotidianas dos alunos. Em sua experiência em São Sepé, o doutorando, construiu suportes didáticos conectados com opções digitais que se transformaram em elementos que contribuem para a formação discente no que tange à História Local do município: Livro didático, aplicativo e jogo educativo. O link com os meios digitais, com games e o uso desses suportes na Educação Básica, no ensino de História, são iniciativas interessantes do trabalho de Felipe Pereira que o levam a trilhar um caminho que aponta para um horizonte no qual há possibilidades de qualificação do ensino público a partir da junção entre a pesquisa acadêmica e o dia a dia na sala de aula, utilizando estratégias de publicização da História.
O professor Lucas Cassanta, que também constrói sua tese na linha “Cultura, Migrações e Trabalho”, realiza uma comparação entre o modelo educacional implementado pela Ditadura Militar (1964-1985) e a Reforma do Ensino Médio de 2017. Estabelece paralelos no que concerne às intenções das classes dominantes nas proposições das leis concernentes à Educação e no que se refere às definições do currículo de História. Em ambos os momentos históricos há flexibilizações, diminuições, esvaziamentos das possibilidades de interpretações críticas sobre o passado e o presente realizadas pela ciência histórica. No contexto da Ditadura houve a diminuição do tempo de História em favor de disciplinas como Moral e Cívica, Organização Social e Política do Brasil, Estudos Sociais; enquanto no presente da Reforma do Ensino Médio, a diminuição das horas das ciências humanas ocorre em prol dos itinerários formativos, inclusive com pretensão em relação à formação para o trabalho. Semelhanças importantes e sem nenhuma coincidência, que perfazem um projeto neoliberal que toma conta da formação das pessoas, que nesse modelo, quer-se voltada para os interesses classistas.
Tamara Machado vai em busca das histórias individuais de professoras de História no contexto da ditadura militar, no qual o ensino da disciplina sofreu vários ataques. A doutoranda, também integrante da linha “Cultura, Migrações e Trabalho”, apresenta um rico debate conceitual acerca da relação entre a individualidade do sujeito histórico e a coletividade, imprimindo uma enorme importância à forma como o ser age no tempo, como molda sua consciência histórica. Associa o fazer-se docente à conquista de espaço no mercado de trabalho, na sociedade, evidenciando a luta dessas mulheres professoras em prol de igualdade de gênero, de oportunidades iguais aos homens e às mulheres, contra as discriminações e ausência de direitos.
Ainda no debate sobre História e mulheres, Gabriela Schwengber traça um panorama de vida da mineira Maria Lacerda de Moura em torno do seu desenvolvimento intelectual, de seus afazeres como mãe e esposa e de seu envolvimento com associações femininas no início do século XX. A mestranda, da linha “Fronteira, Política e Sociedade”, mantém o foco da pesquisa para a escrita de sua dissertação no que tange à História das Mulheres e do Anarquismo, no entanto, em outros recortes. Por hora apresenta um resumo de sua pesquisa da monografia de conclusão do curso de História. Relata como a professora Maria Lacerda se relacionou com Bertha Lutz e o movimento feminista: no início concordaram a respeito da associação de mulheres, acerca da formação educativa necessária, mas a mineira discordava das sufragistas no que diz respeito às outras lutas necessárias, entendia o movimento sufragista como uma reivindicação da ala branca, elitista e privilegiada da sociedade, desprovido de características relacionadas ao debate mais de fundo sobre a igualdade de gênero.
Noutro artigo que atravessa a História do Anarquismo, com o desenvolvimento de sua tese na linha “Cultura, Migrações e Trabalho”, André Jobim nos traz uma análise do movimento anarquista e suas redes de informações e solidariedade a partir de Bagé, sudoeste do Rio Grande do Sul, mostrando as interconexões entre essa cidade do interior com outros países da América do Sul: Uruguai, Argentina. O professor da rede estadual gaúcha destaca a importância de se fazer a pesquisa sobre o Anarquismo numa cidade interiorana, uma vez que a maioria dos trabalhos analisam capitais, grandes cidades. Interessante como André Jobim realiza seu trabalho a partir das vivências e produções de um militante em especial – Venâncio Pastorini. É um trabalho que vai em busca de fontes jornalísticas produzidas no Brasil e nos países vizinhos, apontando a possibilidade de formação autodidata em torno da leitura, da escrita e dos temas relacionados à Acracia, como ocorreu com o militante em questão.
André Paz estuda a prostituição em Caxias do Sul a partir de fontes hemerográficas, mostrando como a sociedade Caxiense tratou a situação ao longo do tempo: a zona do meretrício foi expulsa do centro da cidade, foi alvo de campanhas de moralização, de controle do Estado, de sanções. O mestrando da linha “Cultura, Migrações e Trabalho” discute o período entre a década de 1950 e 1990, apesar de recuar mais no tempo, buscando identificar como nasceu e se desenvolveu a prática do comércio do sexo no município, prática essa sempre acompanhada de muitas críticas veiculadas nos jornais, expressando a lógica da moralidade pública. O autor nos faz pensar sobre tentativas de apagamento de memórias, de silenciamentos, impressas nas medidas adotadas pelo poder público em relação ao tema.
O baiano Ramon Queiroz pesquisa sobre os povos indígenas no Brasil. O doutorando, integrante da linha “Fronteira, Política e Sociedade”, ressalta a importância da associação entre História e Antropologia, no sentido de produzir interpretações cada vez mais próximas da realidade colonial, da relação entre o índio e o colonizador europeu. O professor que leciona no Estado de Minas Gerais faz ressalvas importantes sobre a percepção de que a maioria das fontes sobre as nações indígenas foram produzidas por europeus, com um viés etnocêntrico. Logo há de se estabelecer uma visão extremamente crítica ao analisar esse tipo de documento histórico. Chama a atenção também para o fato da necessidade de levar, de fazer com que chegue às escolas de educação básica os estudos da Nova História Indígena, para que as visões extremas do índio passivo à colonização ou do herói que lutou bravamente contra todo o processo de aculturação, possam dar lugar às pesquisas nas quais se mostram interpretações mais condizentes com as fontes, que apresentam solicitações de indígenas ante o Estado colonial, relevância da participação dos nativos nos ensinamentos em torno do conhecimento da flora e um viés de resistência associado à adaptação à nova vida imposta a partir do processo colonizatório.
Andreia de Andrade traz um ensaio de História Política, traçando um Panorama do histórico do Estado do Piauí. A doutoranda da linha “Fronteira, Política e Sociedade” relata sobre a influência da elite colonial portuguesa, a qual deixou descendentes que formaram a elite do lugar e o controlam politicamente desde a formação do território, quando ainda integrava a Província do Grão Pará e Maranhão. Traz à baila o processo que culminou na transferência da capital do Estado, de Oeiras para Teresina, envolvido num processo de disputa política entre as famílias descendentes dos colonizadores.
Karina Maia conta a história do teatro estudantil em Santa Maria, associando ao surgimento de cursos universitários. Destaca a importância do caráter educativo dessa arte e como esteve ligada aos movimentos estudantis, engajados politicamente com as condições sociais brasileiras, tanto a nível local, quanto nacional. A mestranda, que integra a linha “Cultura, Migrações e Trabalho”, estuda o período anterior e posterior próximos ao golpe civil-militar de 1964. Conta-nos como foi o impacto da repressão nos grupos teatrais de Santa Maria após a implementação da Ditadura.
“Brasis na UFSM...” é um convite ao ingresso num campo múltiplo de possibilidades de pesquisa, temas, espaços, metodologias, teorias e abordagens. É uma coletânea que traz singelas contribuições ao debate historiográfico e ao Ensino, voltada, principalmente para quem faz parte desse multiverso de pesquisas em História.