Edilza Joana Oliveira Fontes
Thiago Broni de Mesquita (Org.)
A Amazônia e a ditadura militar no Brasil
Em 1º de abril de 2024 rememoramos os 60 anos do golpe civil-militar que conduziu os militares ao poder no Brasil, no ano de 1964. Nos últimos 10 anos, convivemos com o fantasma do negacionismo histórico e, apesar da pressão exercida sobre a academia em relação à história da ditadura militar no Brasil, seguimos em frente e acreditando que amanhã seria um novo dia.
O novo dia chegou e hoje apresentamos a coletânea A Amazônia e a ditadura militar no Brasil, reunindo a produção de historiadores da história da ditadura que dedicaram suas pesquisas a uma ditadura que se processou longe dos grandes centros. Em meio à imensidão da floresta amazônica, o discurso dos “espaços vazios” ecoou sob o signo da violência. Estradas foram abertas, planos de integração nacional foram implementados do alto escalão da ditadura em direção às terras supostamente sem homens, a cultura do povo amazônico foi substituída por discursos que diziam que era chegada a hora de esquecer as lendas para faturar. Nas cidades, a violência foi sentida nas universidades, nos jornais, na prisão de lideranças politicas ligadas à esquerda e no silenciamento de todos aqueles que escolheram lutar e resistir. Nas escolas e universidades a educação moral e cívica, os estudos dos problemas brasileiros e a organização social e política do Brasil eram ensinadas visando mascarar o real problema do nosso país: uma ditadura militar que durou 21 anos e que deixou cacos em nossa democracia, mas, sobretudo, na região amazônica.
Em 2024 o Programa de Pós-graduação em História da Amazônia (PPHIST) da Universidade Federal do Pará (UFPA) completa 20 anos de trajetória. Celebramos esta importante data brindando a comunidade acadêmica com 10 artigos de docentes da casa, bem como de ex-alunos que passaram pelo PPHIST/UFPA e consolidaram um campo de estudos sobre a ditadura militar no Pará e na Amazônia.
O primeiro capítulo da coletânea é assinado por Edilza Joana Oliveira Fontes e Davison Hugo Rocha Alves e analisa o caso da reforma agrária no Pará e da perseguição ao líder camponês Benedito Serra, torturado e morto por agentes da ditadura militar no ano de 1964. Adriane dos Prazeres Silva traz em seu capítulo os resultados de sua pesquisa sobre a história de uma ditadura que aconteceu na floresta, na região do Baixo Tocantins, local de resistência, luta e articulações políticas e surgimento de lideranças que enfrentaram a vigilância e as arbitrariedades dos militares em um tempo de grande repressão. O capítulo de Elias Diniz Sacramento desvela a atuação do Serviço Nacional de Informação e a vigilância de sindicalistas, padres e bispos na região Guajarina, nordeste paraense. a partir de um estudo minucioso de fontes, o autor demonstra a capilaridade da ditadura militar e a violência com a qual exerciam o poder a partir de documentos produzidos por agentes da espionagem no Pará. A análise da questão fundiária na Amazônia nos anos finais da ditadura militar é o foco do capítulo de Iane Maria da Silva Batista e Maika Rodrigues Amorim, que demonstram como o Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT) atuou no sentido de reservar fatias territoriais estratégicas para os empreendimentos na área de influência do Programa Grande Carajás. Na mesma linha de investigação, segue o capítulo de Francinei Almeida da Costa, que se estuda o caso de rodovias rurais abertas durante a ditadura militar e que atraia trabalhadores para a região, mas que mascarava uma política que combinava repressão aos conflitos no campo, corrupção e conivência do governo com a violência de empreiteiros.
Renan Nascimento Reis analisa em seu capítulo a história da ditadura militar na UFPA a partir do estudo de documentos produzidos pelo SNI, os quais permitem identificar a presença de mecanismos autoritários e da estrutura de vigilância dos governos militares nesse período. Paulo Sérgio da Costa Soares, por sua vez, fala sobre a resistência do movimento estudantil na UFPA em 1968, ano turbulento na história mundial e momento no qual a juventude brasileira lutava contra a reforma universitária apresentada pela ditadura militar brasileira. O jornal Resistência e a perseguição à imprensa no Pará é o tema do capítulo de Raimundo Amilson de Sousa Pinheiro, que apresenta em seu texto um recorte da história do mais importante jornal alternativo produzido na Amazônia e como ele se conecta à luta pelos direitos humanos na região, sobretudo na transição para a democracia no Pará.
O Projeto Rondon e a disciplina estudo(s) de problemas brasileiros é o tema do capítulo de Davison Hugo Rocha Alves, que demonstra como as tentativas da ditadura militar de aproximar os jovens de ações cívico-nacionalistas foi objeto de disputas no interior do regime e aponta para as tentativas frustradas do governo de Jair Bolsonaro de retomar políticas educacionais cunhadas nos tempos da ditadura. A coletânea encerra com o capítulo de Thiago Broni de Mesquita e Gabriel da Silva Cunha, que analisam a polêmica implementação do PNLD 2020/20222 e as tentativas do governo de Jair Bolsonaro de institucionalizar o negacionismo histórico em obras didáticas aprovadas junto ao MEC.
Chico Buarque, em Jorge Maravilha, diz que “Tem nada como um tempo após um contratempo”. Passados 60 anos do golpe civil-militar de 1964 seguimos fortes em busca das histórias e das memórias sobre os trágicos 21 anos da ditadura militar brasileira. Desejamos que a coletânea A Amazônia e a ditadura militar no Brasil possa inspirar novas pesquisas. Boa leitura e vida longa ao PPHIST/UFPA.